Misericóridas

AS MISERICÓRDIAS EM PORTUGAL... DA SUA FUNDAÇÃO À ACTUALIDADE

O enquadramento da História das Misericórdias nos diferentes momentos da História de Portugal e as diferentes fases que atravessaram ao longo do seu percurso é um aspecto evidenciador de uma grande capacidade de sobrevivênvia a todo o género de vicissitudes.

A obra das Misericórdias nasceu em 1498, no ano em que Vasco da Gama descobriu o caminho marítimo para a Índia. Até essa data as instituições de beneficência eram rudimentares, encontravam-se dispersas e sem estatuto. Desde a fundação da nação portuguesa, inspiradas pelo espírito de caridade cristã, foram sendo criadas ordens religiosas e militares pelos reis, municípios, bispos, confrarias e particulares. Estas induziam os homens de todas as classes sociais a socorrerem os pobres e necessitados na ausência de qualquer sistema de segurança social organizado.

É neste contexto histórico que o cruzamento de duas figuras dará origem à futura rede de Misericórdias: Frei Miguel Contreiras e a rainha D. Leonor.

Formadas num momento de grande prosperidade económica nacional, o reinado de D. Manuel I (1495-1521), com o intuito de praticar as catorze obras de misericórdia do catecismo cristão, as misericórdias portuguesas cedo se transformaram numa instituição abrangente e polifacetada, que absorvia um espectro variado de práticas de caridade. Mas também se foram constituindo num dos principais pólos do poder local do Reino, agregando as elites locais. Apesar de serem protegidas pelo poder régio, de quem dependiam directamente, actuaram com uma grande margem de liberdade em relação ao poder monárquico, sem deixarem de acusar as configurações próprias de cada momento histórico.

Embora fossem confrarias ou irmandades, as misericórdias distinguiam-se das restantes pela natureza jurídica, que era civil, e pelas actividades que eram de carácter social e dirigidas para o exterior de si próprias. Assim sendo, o consulado pombalino (1750-1777) e a regência joanina (1792-1816) consideraram-nas capazes de assegurar a assistência no reino. Mas para isso coarctaram a sua tradicional autonomia com um conjunto de medidas que procuraram viabiliza-las financeiramente, orientar as suas actividades segundo as necessidades do país e fiscalizar o seu desempenho.

Tanto o Liberalismo (1834-1910), como a 1ª República (1910-1926) como ainda o Estado Novo (1926-1974) seguiram essa mesma política, pois todos estes regimes viram nas misericórdias os órgãos centrais da assistência portuguesa. Só depois da Revolução de 1974 o Estado deixou de as considerar fulcrais na protecção social. Mas as misericórdias reagiram e mais uma vez se adaptaram e sobreviveram, embora à custa de transformações. Hoje continuam a ser instituições pujantes, assumindo um variado leque de serviços. Mantendo o espírito cristão, respondem na prática às actuais formulações de protecção e solidariedade social que decorrem do apelo da dignidade da pessoa humana.